13 de janeiro de 2011

Pusilanimidade



Ele entrou correndo e sem que percebesse deixou cair o cartão amarelo que estava em seu bolso. Lisa só estava preocupada com aquela agonia:
- O que houve? Aonde vai com tanta pressa?
- Me deixa, me deixa! Preciso partir no trem das 6.
- Vai para onde?
- Denver. Preciso resolver uma pendência.
- O que você tem em Denver?
- Não posso falar agora, não tenho tempo, volto em dois dias.

Sem forças nem argumentos para impedi-lo, Lisa ficou parada estática no portão da casa esperando James passar e se despedir.
Não demorou muito e lá foi ele correndo com uma mala nas costas, passou tão rápido pelo portão que não conseguiu perceber a presença de sua esposa, partiu e não lhe deu nem um beijo de tchau.

Lisa sabia que tinha algo errado e não podia fazer nada, trancou o portão e com as lágrimas escorrendo em seu rosto entrou na sala, sentou no sofá e desabou a chorar.
Entre soluços e tristezas, e uma dor martelando sua cabeça, ela observa um cartão amarelo no chão, ao pé da mesa de jantar. Lisa respira fundo, levanta do sofá e pega o tal cartão.

“Assim não dá mais. Não consigo continuar sozinha. Conte a verdade ou eu mesma conto. Você tem até as 10 da noite para vir aqui e pensar em uma boa desculpa. O seu futuro está em jogo.”

Lisa sentiu suas pernas amolecerem, ficou tonta, sentou novamente no sofá e não conseguiu pensar em mais nada. Sentia que alguma coisa estava errada há muito tempo.
Chorou descontroladamente e só conseguiu lembrar os longos 20 anos de casados. De como eles foram felizes um dia.

Sentiu-se sozinha, um estranho vazio no peito e uma enorme coragem no coração. Fez as malas e partiu. Na mesa deixou o cartão amarelo que estava no chão e colocou mais um outro, um cartão que ela mesma escreveu. Um cartão vermelho.
Lisa foi embora, foi ver o verde das montanhas. Simplesmente partiu, foi embora.

Depois de dois dias, James voltou, com ele trazia uma morena alta e vistosa, era Carmem, uma famosa atriz descendente de espanhóis.

Ao abrir o portão, Carmem o alertou:
- Se eu souber que você está mentindo, eu vou embora e sumo da sua vida. Nunca mais você tocará minhas mãos, nunca mais saberá de mim. Se você estiver me enganando eu acabo com você.
James mal conseguia abrir o portão, suas mãos tremiam e o suor caía em sua camisa.
Ao entrar em casa, James caminhou devagar, tentou não fazer nenhum barulho, andava como se estivesse pisando em cacos de vidro.

Carmem gritou:
- O que foi? Está com medo? Quem está ai?
James colocou as chaves na mesa, pegou o cartão amarelo e o vermelho, colocou dentro do bolso e ali se certificou de que não haveria mais problemas.

Conduziu Carmem ao quarto e caminhou em direção ao banheiro.
- Vai me deixar aqui sozinha?
- Vou ao banheiro! Deus do céu! O que fiz para você desconfiar de mim?
- Você contou a ela?
- Contou o quê, para quem? Não existe ninguém, eu disse que era sozinho, não tenho família, sempre fui sozinho.

Carmem se sentiu mal por ter duvidado da integridade de seu homem, o amor de sua vida. Deu um beijo em sua boca e se jogou na cama. James seguiu o corredor e entrou no banheiro.
Lavou o rosto e ligou o chuveiro, tirou a roupa e leu o cartão vermelho.

“James,não quero saber a verdade, não quero continuar vivendo essa ilusão, só quero aguardar a sua imagem em minha memória, só quero carregar comigo a lembrança do homem da minha vida. O homem que você foi um dia. Prometo não queimar as torradas, prometo não deixar a água fora da geladeira, prometo não adoçar o seu café. Prometo não esquecer de deixar suas meias na primeira gaveta da cômoda, prometo nunca mais fazer parte da sua vida. Não existe mais tempo. Chegou o dia de encararmos a realidade. Adeus. Com amor,
Lisa.”

Sentou no chão e chorou, chorou baixinho para que Carmem não escutasse. Seu único e verdadeiro amor tinha ido embora e nada ele podia fazer. Lisa não tinha família, Lisa era sozinha. Lisa só conhecia James. Lisa fazia o melhor que podia. James não soube enxergar isso.

***

Carmem mudou-se para casa de James, e o obrigou a parar de trabalhar, ela era muito ciumenta e não admitia seu homem trabalhando como eletricista na casa de outras mulheres. Só de imaginar ele fazendo instalações e sendo monitorado por madames ricas e bonitas, o seu rosto ficava vermelho e ela tinha vontade de matá-lo.
Carmem tinha dinheiro. Carmem sabia o que queria:
“Café amargo, torradas crocantes, água gelada e minha lingerie pendurada no armário.”

James assumiu os serviços da casa, servia Carmem como se fosse um mordomo. Cozinhava, lavava e passava. Sua vida era triste e a única coisa que o fazia sorrir era a lembrança de Lisa.
James caminhou até o quarto, colocou o cartão de Lisa no bolso, tirou a samambaia que enfeitava o teto e amarrou uma corda.
Só conseguiu ser homem e ter coragem, no silêncio de seu suicídio.
A verdade apareceu apenas para Carmem. Lisa permaneceu intacta em um amor doído e contido no verde das montanhas.

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